Um dos maiores nomes do cartum francês, Plantu está comemorando, neste ano, 38 anos de charge política na primeira página do jornal Le Monde. Dono de um traço inimitável - e de um tom cáustico avassalador - Jean Plantureux concedeu ao jornalista João Paulo Charleaux uma entrevista publicada nO Estado de São Paulo no mês passado. Confira em Le Livre Messager trechos dela.
Como encontrar o lado cômico, grotesco e contraditório dos políticos? É como garimpar algo oculto ou são exageros evidentes nos poderosos?
Os políticos estão sempre no primeiro plano da cena e são desafiados a se expressar num tempo muito curto sobre os assuntos mais graves do mundo, sob uma tremenda pressão midiática. Isso faz com que eles caiam com frequência em situações caricaturáveis. Nós, desenhistas, só colocamos no papel.
Os políticos estão sempre no primeiro plano da cena e são desafiados a se expressar num tempo muito curto sobre os assuntos mais graves do mundo, sob uma tremenda pressão midiática. Isso faz com que eles caiam com frequência em situações caricaturáveis. Nós, desenhistas, só colocamos no papel.
É engraçado ter a chance de encontrar as pessoas que eu desenhei. Vi que algumas delas têm mais facilidade para desenhar do que para falar. É o caso do Arafat. Ele não foi capaz de repetir a frase "eu reconheço o Estado de Israel". Mas eu passei uma folha, de feltro, para ele, que aceitou desenhar a estrela de David da bandeira israelense.
Sou as duas coisas ao mesmo tempo. Aliás, diria ainda mais: acho que sou um caricaturista que se considera um jornalista num mundo midiático no qual os jornalistas são considerados cada vez mais caricaturistas.
Veja o clima que se instalou por todos os lados depois da crise econômica mundial. Já tratei desse assunto umas 20 vezes desde 1972. Apesar disso, nunca é a mesma coisa. Na França, por exemplo, nós temos agora uma esquerda que finge não querer a redução da idade para a aposentadoria. Para nós, isso é algo inédito e, por isso, é tão interessante.
Que impacto a internet e outras novas tecnologias têm sobre o seu trabalho, sobre as caricaturas que você faz?
Quando eu tenho de procurar uma imagem de alguma figura política nova, como o britânico David Cameron (premiê mais jovem da história britânica, eleito em maio), por exemplo, eu corro ou para os jornais impressos ou para o Google. Mas, fora isso, ainda faço meu desenho sobre uma folha A4 ou A3, usando lápis grafite ou canetinhas hidrocor. Só depois envio para o jornal, pela internet. Agora, o risco da internet para a liberdade de pensamento e para a liberdade de opinião depende do uso que é feito dessa ferramenta pelos grupos de pressão e, mais precisamente, pelos grupos fundamentalistas de pressão, que são vinculados às grandes religiões. Eu, por exemplo, já estive no centro de uma grande polêmica organizada pelos cristãos. Em apenas um dia, recebi 3 mil e-mails no Le Monde. Tudo isso porque eu simplesmente imaginei Cristo fazendo um novo milagre: depois da multiplicação dos pães, a distribuição de preservativos, sob o olhar reprovador do papa Bento 16. O desenho não era ofensivo para os cristãos, mas a fatwa (decreto emitido por alta autoridade religiosa, normalmente no Islã) muito bem orquestrada fez com que milhares de fiéis dos EUA e do Vaticano reagissem. Hoje, esse magnífico trabalho de manipulação é feito diariamente. É só ver o caso recente do ilustrador francês Siné, que foi demitido do Charlie-Hebdo (jornal satírico francês) por causa de um fatwa semelhante que acabou colocando-o quase no mesmo nível de um Goebbels (ministro da propaganda de Hitler). Se o ilustrador não é defendido por um redator ou um chefe que tenha colhão, ele está mal.
Foi pelo aprendizado, para conhecer melhor esses países. Lembro que, no Sudão, a textura do papel era tão esquisita que um ilustrador da capital, Cartum, me mostrou que ele conseguia desenhar numa página na segunda-feira e no verso na terça-feira. No Irã, encontrei ilustradores submetidos aos tribunais islâmicos, sentenciados a prisão e a execução a tiros.
Desde 1986 já expus meus trabalhos cinco vezes no Brasil e tive a chance de aprender muito com meus amigos desenhistas brasileiros. Que talento! E que simplicidade no trabalho. Houve recentemente uma exposição em Reunião (ilha francesa no Oceano Índico) que teve como título a frase de Chico Caruso "deixe seu lápis pensar".
Brasil e França apostam numa grande aproximação estratégico-militar. Isso já foi objeto de cartuns seus. Como vê este momento entre os dois países?
Tudo que pode aproximar o Brasil e a França é positivo. Vocês não imaginam até que ponto a imagem do Brasil é maravilhosa na França. Os franceses são apaixonados pelo encanto dos brasileiros, ou das brasileiras. Quando a França vende armas, eu não fico particularmente entusiasmado, mas sei que é para o Brasil, então fico tranquilo. Talvez esteja errado?
Que legal ele citar Chico Caruso, um dos grandes cartunistas do Brasil. Interessante tb a visão dele sobre os brasileiros...será?
ResponderExcluirZília