Leia em Le Livre Messager texto do teólogo Ricardo Gondim, publicado na prestigiosa revista protestante brasileira Ultimato sobre Simone Weil. Neste ano comemora-se os 100 anos de nascimento da pensadora e mística francesa, autora de "La Pesanteur et la Grâce" e " La Condition Ouvrière".
Ricardo Gondim
Faço parte de uma geração sem heróis. Sinto falta de homens e mulheres que me inspirem a alma, que me desafiem a sair de minha zona de conforto. Quando li o Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, de André Comte-Sponville (1995), estranhei que, sendo ateu, ele citasse tantas vezes o nome de Simone Weil como referência de uma cristã verdadeira. Resolvi pesquisar e acabei me familiarizando com essa parisiense que nasceu em 3 de fevereiro de 1909. Hoje, encantado com sua história e coerência de vida e fé, quero torná-la mais conhecida de minha geração.
Simone Weil foi uma menina-prodígio em ciência e literatura. Aos 6 anos de idade, citava Racine de cor. Mesmo com todas as perturbações da Primeira Guerra Mundial, obteve o seu baccalaureat es lettres com distinção, em junho de 1924, aos 15 anos de idade. Na prova oral, o presidente da banca examinadora, especialista em literatura medieval, deu-lhe nota 19 em 20.
Em 1931, Simone Weil formou-se como professora de filosofia pela Ecole Normale Supérieure. Dois anos depois, decidiu abandonar o magistério para experimentar plenamente como vivia um operário. Trabalhou dois anos na fábrica da Renault, sem nunca revelar algo que a tornasse superior aos seus companheiros. Em 1936, viajou para a Espanha a fim de ajudar os republicanos que sofriam na guerra civil. Sofreu os horrores da guerra. Adoeceu e foi forçada a voltar para a França. Debilitada, já não conseguia lecionar, quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial.
Em junho de 1941, conheceu o padre Ferrin, do Convento Dominicano de Marseille, preso dois anos depois pela Gestapo. Nesse tempo, Simone Weil abriu-se para o conhecimento de Deus. Correspondeu-se longamente com o padre Ferrin. Depois da invasão da França pelos nazistas, voluntariou-se para trabalhar no serviço do Governo Provisório da Resistência. Mas, mesmo no exílio, sua identificação com os que sofriam sob o regime de Hitler foi tão grande que, fraca e doente, disciplinou-se a comer uma ração semelhante à que os seus patriotas eram submetidos na região ocupada pelos alemães. Assim, sua saúde foi se deteriorando. Morreu solidária aos seus irmãos franceses em 29 de agosto de 1943, aos 34 anos de idade. A vida de Simone Weil inspirava vários ateus e anarquistas europeus. A academia a considerava uma mulher de posicionamentos sólidos e sempre à margem das instituições religiosas, políticas ou intelectuais. Mas ela surpreendeu meio mundo quando se soube de sua conversão ao cristianismo.
Contudo, seu cristianismo também não se conformava aos moldes institucionais. Simone dizia que, em respeito aos ateus, aos frios e aos impotentes diante da fé, ela não se batizaria na Igreja Católica, pois via-se “plantada na interseção do cristianismo e de tudo o que não é cristianismo”.
Àqueles que se consideravam salvos por saberem recitar o credo, ela insistia numa verdade desconfortável: “a incredulidade de alguns ateus está mais próxima do amor de Deus do que a fé fácil daqueles que, sem nunca tê-lo experimentado, penduram uma placa com o seu nome como se fosse uma fantasia infantil ou uma projeção do eu”. Assim como Kierkegaard, Simone Weil pregava o paradoxo de que “é mais fácil um não cristão se tornar um cristão do que um cristão se converter”. Aos que buscavam na religião apenas conforto e paz de mente, ela lembrava que “Cristo não prometeu a paz, mas a espada, e que as suas últimas palavras foram o grito de absoluto desespero: ‘Eli, Eli, lamá sabactâni!’”.
Uma espécie de Madre Teresa do mundo erudito francês, Simone Weil identificou-se de tal maneira com a dor do próximo, que desejava sua companhia. Denunciava que o cristianismo se tornara uma religião exclusivista e insistia que os cristãos precisavam repensar a sua catolicidade. Para ela, até os liberais pós-iluministas contribuíam com a verdade e, por isso, precisavam ser ouvidos. Justificava o ateísmo de outros filósofos como mera reação à religião organizada, responsável por opressão, orgulho e exploração. “O novo santo”, preconizava ela, “necessita de uma santidade nova, fora dos paradigmas. Ele precisa de uma capacidade única: combinar cristianismo e estoicismo, o amor de Deus e o ‘amor filial à cidade do mundo’.”
Simone Weil escreveu pouco. "A Gravidade e a Graça" (La Pesanteur et la Grâce), um dos seus principais livros, foi traduzido para o português em 1993. Leio suas palavras com reverência, acreditando que, à semelhança de Hebreus 11, seu nome faria parte de uma nova lista de heróis da fé.
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