Fundada em 1975, a editora alsaciana Arfuyen tem tornado disponível ao público, dentro de seus Carnets Spirituels, uma considerável gama de preciosidades da literatura espiritual de épocas e tradições as mais diversas. Em seu catálogo, figuram clássicos como o "manifesto gnóstico" de François de Fénelon e os "cânticos" atribuídos ao célebre visionário renano medieval Johannes Tauler, em delicadas apresentações editoriais.
O aniversário de trinta anos de morte do psicanalista Jacques Lacan, acaba por se tornar uma grande ocasião para a descoberta de um título integrante do catálogo da Arfuyen surpreendente. Escrito por Marie de la Trinité, uma religiosa francesa falecida em 1980, De l´Angoisse à la Paix é, sem exagero, um dos mais emocionantes e belos testemunhos espirituais do século XX.
Numa das últimas "sentenças" de sua confissão, Marie nos convida a trilhar o único caminho possível para a cura: o engajamento pelo amor. Pour la charité, j´ai constaté qu´elle commence quand l´autre devient pour moi un centre et que je ne me situe plus que relativement à ce centre, comme un rayon qui va vers son foyer. Je crois que c´est l´attitude fondamentale de ce qui seul mérite d´être appelé amour, quelle qu´en soit l´expression. Cela modifie profondément les attitudes, et par suite les relations.
Depois de 12 terríveis dias de internação hospitalar na busca pela superação de uma depressão crônica profunda e assustadora (e após perambular por consultórios psiquiátricos e escapar de uma lobotomia) - Marie de la Trinité - nascida Paule de Mulatier - é apresentada a Lacan e à clínica psicanalítica. Como parte do tratamento, o psicanalista parisiense demanda à freira o registro de sua luta contra o sofrimento. De l´Angoisse à la Paix é este relato.
As batalhas existenciais cotidianas da religiosa não se davam apenas contra a angústia e o terror de uma enfermidade grave e esgotante. O mais remoto vislumbre de uma perda da razão de sua vida - a fé - a deixa num abismo de solidão e abandono insuportável. Entre seus apontamentos sobre a doença, os remédios, a busca por sentido, Marie tece considerações inusitadas - e iluminadas - sobre o encarnação do Verbo, a redenção do homem, a consciência, a responsabilidade humana na economia divina da salvação, a vida numa comunidade de crentes, a oração.
Conciliando a experiência psicanalítica com outras terapias, Marie vence as trevas e tem restabelecida a saúde. Anos mais tarde, encorajada por um cardeal, torna-se psicoterapeuta com atuação destacada. Na apresentação do volume, Jacqueline Renaud anota que neste pequeno texto en marge de l´expérience spirituelle mais au coeur même des tourmentes de la recherche intérieure, apparaît ainsi sous un jour nouveau cette personnalité exceptionelle, plus proche de nous encore d´avoir vécu jusqu´au dernier abaissement la misère de notre condition, plus grande encore de l´avoir surmontée.
De l´Angoisse à la Paix Marie de la Trinité Arfuyen
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