Uma vez, no Café Monteil, numa conversa com nosso grande amigo Len Berg Criscuolo, falávamos, entre outos assuntos, de Orides Fontela. Inevitável a lembrança dos versos publicados em "Teia" (Geração Editorial): "A lucidez / alucina". Como nossas convesas são sempre cheias de bom humor e irreverência, também nos pareceu inevitável, diante do poema, soltar a pérola: "É fantástico!... embora não seja nada de novo! Adorno, Horkheimer e todo o mundo já esgotaram o assunto!". "Mas não com essa concisão!", arrematou, devastadoramente, Len. Três palavrinhas, duas linhas e lá se vai pelos ares toda a orgulhosa exuberância da Aufklärung. Constitui grande perigo para a literatura a existência de versos como os aqui referidos; por serem incríveis, corroboram ao argumento propalado por muitos, de que a prosa nada mais é que a lamentável degeneração da épica.
Há obras poéticas que, devido ao seu vigoroso anti-prosaísmo, deveriam ser incluídas no Index Librorum Prohibitorum! Por serem condutores de uma terrível (e feroz) energia, poemas como os pertencentes a coletânea "Les trente-trois Noms de Dieu" (Fata Morgana) da magnífica Marguerite Yourcenar são capazes de condenar à insignificânica as mais prósperas, numerosas, e arrogantes bibliotecas.
Ironia marcante: um dos santos ícones da ficção romanesca francesa produz no "livrinho" (menos que 50 páginas) em destaque, instantes poéticos completamente anti-romanescos, intransigentes, capazes de pôr em silêncio a mais fecunda prolixidade. Escandalosa ironia: uma das mais vigilantes guardiãs da ortodoxia rítmica, fervorosa defensora da rima e do alexandrino, como acentua Achmy Halley, no ensaio que encerra o bouquin, compõe versos curtos, de liberdade melódica surpreendente, notavelmente inspirados na engenharia (e, surtout, na filosofia) poética oriental.
Compostos em 1982 e tornados públicos somente em 1986, através da Nouvelle Revue Française, os poemas de "Trente-trois Noms" "sont nés" - como ensina Halley - "d´impressions glanées au cours de plusieurs mois de voyage en Égypte, en Grèce et en Italie... Yourcenar cristallise en un kaléidoscope verbal d´une remarquable fluidité, une série d´instantanés symbolisant pour le poète qui les a fait naître la fascinante présence de Dieu parmi les hommes et les bêtes". Nas iluminadas notas de viagem da mestra ficam evidentes, de modo esplêndido, ecos rimbaudianos, conferindo-lhes uma intensidade sublime, satorística, emocionada celebração do essencial.
Os antigos ensinam que somente o essencial tem permissão para romper a harmonia do silêncio. A leitura desta Yourcenar compositora de "haikais" e "tankas" nos impele a nunca deixar de observar este precioso preceito legado pela crítica estética do infinito.
Les trente-trois Noms de Dieu
Marguerite Yourcenar
Fata Morgana
de R$ 96,20
por R$ 81,77
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